domingo, 21 de outubro de 2012

Viva (Camisa de Venus): Um autêntico show de Rock N Roll


Publicado originalmente na REDE SOCIAL PROPOST

                                         
Estava observando meus discos na estante e decidi comentar hoje sobre um em particular. O disco em questão é o primeiro ao vivo da banda baiana Camisa de Vênus, chamado Viva e lançado em 1986

A capa do disco já chega barbarizando, trazendo os seguintes dizeres: “As faixas do álbum não foram submetidas à divisão de censura de diversões publicas. Não estão autorizadas as suas execuções públicas e radiofônicas”. O que pode ser mais rock and roll que isso? Uma banda que lançou o disco sem pedir permissão pra divisão de censura federal em plena ditadura militar?

Viva é o disco perfeito para mostrar a força do Camisa de Venus, uma banda que conquistou fama praticamente através dos palcos. Havia todas as dificuldades possíveis para a banda aparecer na mídia e para conseguir uma gravadora: as letras que eram agressivas, os comentários ácidos do Marcelo Nova, o nome que era considerado palavrão em tempos mais conservadores. Camisa de Vênus pra quem não sabe significa camisinha e pode até parecer ridículo nos dias de hoje, mas na época os jornais publicavam o nome da banda como “Camisa de ....”.

Depois de muito tempo na estrada a banda teve oportunidade de gravar seu primeiro disco pela Som Livre (pra que não sabe essa gravadora pertence a Rede Globo), sendo colocado em uma das reuniões que a banda teria que mudar de nome para que fosse possível sua divulgação nas rádios e em programas da Rede Globo como o Chacrina, Fantástico, etc. Marcelo Nova, pra variar, mandou todos terem uma “boa tarde”(tomar no cu), sugerindo a mudança do nome para “Capa de Pica”. Obviamente a banda foi expulsa da gravadora.

O Camisa ficou mais de um ano só na estrada e sem disco em catálogo, situação que só iria mudar com o lançamento da música Eu Não Matei Joana Dar’c. A música virou uma febre tão grande que as gravadoras passaram a achar o nome da banda não mais tão agressivo ou subversivo, mas sim irreverente. Curioso né?

Mais curioso ainda é que mesmo com todas as dificuldades pra gravar, mesmo sem tocar nas rádios, sem participação em programas da rede globo, a banda tinha um público fiel, que ia a todos os shows e conhecia todas as músicas. Tinha também o famoso grito do  “bota pra fuder”, algo que se espalhou pelo Brasil sabe-se como sem os  compartilhamentos do facebook na década de 80. Essa interação público-banda pode ser notada na canção My way do viva, uma versão nada formal e recheada de palavrões do clássico imortalizado na voz de Frank Sinatra. O público canta junto do início ao fim, mesmo que não houvesse nenhuma gravação de estúdio, como até hoje não há.

O inicio do show é destruidor. Sem dar tempo para o público respirar, a banda imediatamente após tocar Eu não matei joana Darc, já engata os primeiros acordes neuróticos de Hoje, canção que fala da loucura da vida nos grandes centros urbanos, onde você quer fazer tudo, quer tocar guitarra, pular de asa, mas não sabe mais nem o corte de cabelo que usa, ou se vai voltar vivo pra casa. A impressão que dá é que as duas músicas se tornam uma só.

Esse disco tem algo que nenhum outro disco ao vivo teve na época. Haviam discos “ao vivo de estúdio”, mas não haviam “discos ao vivo, ao vivo”.

Não entendeu? Vou explicar: o viva não foi remixado e não possui overdubs (quando as gravações ao vivo são levadas ao estúdio para todos os instrumentos serem regravados, de modo a deixar com uma sonoridade mais limpa). Tudo que aconteceu no show está registrado ali no vinil, com microfonia , palavrões , gritos do público ,instrumentos mal tocados e tudo mais que um show ao vivo e improvisado tem direito. A interação com o publico é muito forte e empolgante, a ponto do publico ser apresentado na contracapa como integrante da própria banda.

Marcelo Nova – vocal 
Gustavo Mullem – guitarra solo 
Karl Hummel – guitarra base 
Roberio Santana – contra-baixo 
Aldo Machado – bateria 
Público  - gritos, palmas e inestimáveis backing vocalsOutro ponto marcante do show é o discurso de Marcelo Nova antes da canção Silvia:
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“Hoje tem um monte de mulher na platéia. Hoje é o dia internacional da mulher e nós queremos aproveitar a oportunidade... porque o Camisa de Venus tem acusado de ser uma banda machista, mas não é nada disso. Na verdade o camisa de Venus é a única banda heterossexual do planeta... e então a gente não podia deixar de dizer que nós amamos as mulheres. Sem vocês,  nós não viveríamos em hipótese alguma. Inclusive eu acho que o mundo só vai concertar o dia que a mulher tomar o poder, tem mais tato , sensibilidade, tem mais carinho. Bem, agora que eu já enchi o ego de vocês, podem arriar as calçolinhas e vamos lá”

Pode parecer um discurso arrogante e machista, mas não passa de uma performance puramente anárquica, algo que o público sabia e queria. Portanto não havia espaço para ressentimentos. Hoje, ironicamente podemos dizer que a mulher tomou o poder, porem se o mundo vai concertar, ou pelo menos o país, já são outros 500.

O show termina com chave de ouro ,com uma versão inalcançável de O adventista. O público ensandecido, instintivamente mudou o refrão da música de "não vai haver amor nesse mundo nunca mais" para "não vai haver amor nessa porra nunca mais", tornando isso um coro ensurdecedor, enquanto Marcelo Nova se deita no palco e começa a rezar o pai nosso. Desfecho marcante para um disco marcante.


Uma versão completamente sem nexo e mutilada do viva foi lançada em CD, com o discurso de Silvia e a faixa Rotina cortadas, além de inserção de músicas de estúdio. Se quisessem fazer um trabalho decente colocariam no CD mais músicas do próprio viva, músicas que tiveram que ser cortadas do Vinil, pois esse só suportava cerca de 35 minutos de áudio.

Pra quem curte e entende o  espirito do Rock n' Roll , é um disco muito bom de se ouvir. Bate até um certa vontade de voltar no tempo e ter ido nesse show. Afinal quem gosta de ir pra um show de rock e ver o público paradão? Ou pior, ir a um show com o público mais preocupado em filmar do que se divertir? O viva foi um show sem frescura, pauleira, com a banda no auge do vigor físico e com um público inspirado. Pra quem foi a esse show em Santos no caiçara club em 1986, restam boas recordações. Para outros fãs mais novos como eu, que não puderam viver essa época, só resta seguir as recomendações da capa do disco:

Esse disco não foi remixado. Você ouve o que aconteceu no show. E OUÇA ALTO"

2 comentários:

  1. "Bate até um certa vontade de voltar no tempo e ter ido nesse show." Suas palavras e também minhas!

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  2. AAAAAAAAHHHHHHHH!!! meus 12 anos..acho que esse lp furou de tanto rodar, la em casa... minha mãe achava que eu tava ficando doido...ela odiava a musica silvia.... aí na hora eu aumentava no ultimo volume

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